No
ato do consumo, ou mesmo da escolha do público por um veículo de transmissão,
não somente toma-se em conta o conteúdo, mas o discurso. Sendo assim, a
“conceituação” atribuída pelo público fica enraizada na construção de uma
imagem intencional do veículo, para atingir os espectadores.
Assim, como dissemos na matéria
anterior, o público não tem tido acesso aos acontecimentos ‘detalhados’ sobre
as manifestações em São Paulo. Eu diria, mais especificamente, sobre a relação
entre manifestantes e policiais. Os líderes dos grupos de manifestos populares
(pequenos em relação às emissoras de TV) possuem esses vídeos e compartilham da
maneira que podem. Porém, com a falta de “espaço” disponibilizada para exibição
na grande mídia (lembrem-nos, também, dos jornalistas e fotógrafos que tiveram
seus equipamentos destruídos), acabam nas mãos de quem já possuía tais
expectativas e/ou informações. Enquanto isso, o grande contingente que só busca
acesso da grande mídia nos permite deparar com opiniões como aquelas outrora já
comentadas: “tem que matar mesmo”. Ou ainda: “adote um bandido”!
De maneira ousada, sugiro que tais
comentários tenham sido proveniente da falta de informação e/ou da busca de perpetuar
(por meio de seu ofício público) uma posição política. A diversidade de vozes
conhecida como polifonia é rica, desde que haja coerência; seja adequada ao
público e ofereça o conteúdo correto e detalhado aos espectadores.
Começo pelo caso daquela militante
chamada pela revista Veja de: “A fada da baderna”. E, para poder começar
criticando o título tive o cuidado de consultar no dicionário, o significado da
palavra “baderna” para evitar correr o risco de estar me apegando a valores
pessoais, impregnados de representações imaginárias. Vejamos, pois:
Baderna: “1. Turma boêmia e
bagunceira; 2. Boêmia, noitada: era um
estudante que gostava da madrugada e só vivia na baderna. 3. Bagunça:
confusão, desordem; anarquia: essas
torcidas organizadas gostam mesmo é de
uma baderna![1]
Concluímos pelas definições acima a rotulação de uma militante que, segundo a revista mencionada, resume-se a uma “menina” (anarquista) bagunceira, adepta de muitas noitadas e que só vive criando confusão. Será que ela também não é amiga; confidente; filha; prima; sonhadora? Nunca teve o coração partido, nem pegou uma virose qualquer? Parece que ela se transformou no que a grande mídia condensou, assim como todo e qualquer manifestante, dos atos de 2014.
Não sou a favor da desordem e da
agressão, como deixei claro na primeira matéria, e meu objetivo aqui, ainda, é
que tiremos os olhos da manifestação, como temos notado até então, e nos atentemos
aos manifestantes com olhar crítico e sem que nos utilizemos de um “recurso
metonímico”, ou seja, tornar uma parte, o todo. Pretendo atingir a linha do meio, que aceita as vozes e
dialoga, reflete, critica e não agride para, doravante, defender um ponto de
vista.
Ainda sobre a matéria, chama-me a
atenção o fato de a revista suscitar que “alguns partidos políticos” enxergam
os Black Blocks com benevolência: quais
e por quê? Não podem ser vistos assim? Vivemos numa ditadura? Como deveriam ser
vistos, ou melhor: como vocês querem que sejam vistos e por quem (quantos)?
Sobre os participantes do Black Blocks, dizem que “o grupo carrega
nos ombros” (como uma cruz) “uma morte” (a do cinegrafista). TODOS? São todos
culpados? E, na mesma frase, com tom
suave e “elucidativo”, afirmam que a militante conhece os “bastidores da
turma”. Eu digo: “Claro que conhece!” Participam do mesmo grupo, oras! Isso seria
uma evidência para a consumação de sua sentença também?
Ainda, afirma a revista: “estuda
cinema”! Sim, “a mulher perigosa”, além de tudo é inteligente e tem dinheiro
(aparentemente). E, além de eu ironizar, indago sobre a afirmação: “é boa de
arrecadar dinheiro”: o que isso quer dizer, será?!
Não me adentrarei a todos os
pressupostos e subentendidos deixados como rastros discursivos sobre política,
pois minha intenção aqui não é atacar a revista, mas destacar a rotulação
realizada, debruçando meu olhar, como já mencionado, nos participantes e na
carência de dados reais e específicos, melhorando a proporção entre conteúdo e discurso,
fomentando a reflexão, a fim da justiça social.
Eu sou totalmente contra atos de
vandalismo e declarei na matéria anterior que um conhecido (socorrista) fora
atacado pela polícia, expus meu pesar sobre isso, como sinto por todos os que
não foram divulgados e também pelo cinegrafista. No entanto, é uma grande injustiça, nós
tecermos um balaio de assuntos, previamente costurados sob uma trama, de fios
sem procedência especificada, com acabamento escolhido pela mídia,
confeccionado e consumido de forma indiscriminada.
Reflitamos, também, sobre o fato de
um lugar público possibilitar e ampliar a presença dos “chamados” vândalos e
que cada um corre o seu risco e arca com sua responsabilidade não somente ao
sair de casa, mas ao viver!
A intencionalidade é direito desde
que nos permita um olhar crítico, além de todos os detalhes e coberturas
possíveis. Em entrevista, inclusive, a
militante defende seus companheiros, o que é lógico, pois, nem todos os
participantes são vândalos e ou foram responsáveis pela morte do cinegrafista.
Ademais, nos permite concluir sobre a conscientização de cada um ao arcar com
suas responsabilidades.
Não há dúvidas de que os Black Blocks, na maioria das vezes,
cometem atos desnecessários e prejudiciais ao bem estar público e, por um lado,
denigrem a imagem do protesto em si. Sobretudo, cientes de que a grande mídia
está à espera de mais um ato de vandalismo. Entretanto, será que se houvesse
alguma resposta, negociação ou justiça, a atenção dos “peixes grandes” não
poderia ser chamada de outras maneiras? Há que se refletir.