Estória para boi
dormir
" Cause maybe
you're lovable; maybe you're my snowflake"
O desespero de uma amiga
não me chocou, mas, o fato de se tratar de uma mulher diferente das que eu
conhecia, que aparentava ter aprendido com a vida.
A
jovem Laji mora em uma terra muito
distante, em outro planeta. Na verdade, em um subplaneta que pertencia ao
território dos plutônicos. A população nessa região chega a quase 6,5 bilhões
de habitantes.
Laji, minha ciberamiga, tentava adiar o dia a
chegar dentro de 24 horas. Era o fim do mundo. Católica (sim, o catolicismo chegou
até lá) tentava se convencer de que poderia ir para outra parte do espaço, um
lugar mais bonito e fácil de viver;
talvez merecesse. Porém, não podia ter certeza, não se sabe o quanto os
pensamentos (e até o inconsciente) têm influência na decisão divina. Era
difícil para ela acreditar que o inferno existia fora do território em que
vivia, entretanto. E se estivesse enganada? Já tinha ouvido dizer que, no nosso
planeta, o fim do mundo já havia sido anunciado várias vezes, mas nunca tivera
se efetivado. No entanto, o planeta Terra, diziam os plutônicos, tinha maior
desenvolvimento que o seu, anos-luz. Ela
indagava: "e se o fim do mundo na
Plutolândia fosse diferente do fim das outras formas de vida dos outros
planetas" ? E se só o planeta dela estivesse fadado ao fracasso? Ademais,
havia vida nos outros planetas, de fato? Ela nem tinha certeza se eu mesma
existia, já que só nos comunicávamos pela internet - onde tudo é possível- inclusive,
cultivar uma paixão. Isso também estava acontecendo na sua vida, de novo. Entretanto,
ela não se preocupava.
Como
há anos ela aprendera fazer, ao sofrimento amoroso era dado três dias dentre os
quais, chorar (pouco) só era permitido no primeiro. Doravante, só eram possíveis
alguns deslizes, sem lágrimas e durante um curto período do dia, a não ser que estivesse
bêbada. Isso lhe aumentava a rotatividade e o controle administrativo do amor e
da liberação de oxitocina.
Pelo
tumulto em que encontrava seu planeta, ela resolveu encontrar pessoalmente
aquele com quem conversava quase todos os dias, no ciberespaço. Ele era da
capital e ela resolveu ir até lá! Enfeitou-se
como se nunca mais fosse ver suas vestes preferidas; esperou ansiosamente, como
se estivesse partindo a jato; levou 4 horas se embelezando, para não correr o
risco de esquecer de nenhum detalhe. Uma vez em que tudo está para ser desfeito,
não há porque não ser inteiro.
Lá
estava ela, ao lado do rapaz, sorrindo livremente, expondo seus gostos - sem
desgostos - como se nada houvesse acontecido na sua vida, até então; como se
fosse o primeiro dia de sua vida e como se o nada fosse se tornar tudo, em seguida. Até lhe parecia coerente que as
pessoas tivessem, somente "um dia de vida", na vida.
Ele
era o mediador de toda a beleza do planeta e das mais lindas palavras, também.
Era aquele que trazia o carinho de modo que ela nunca havia experimentado
antes. Os olhares eram diretos e profundos, por entre poucas e precisas palavras.
Estas acertavam-lhes uma parte do corpo que pareciam desconhecer até o momento.
Ela não suspirava mais alto para não parecer exagerada, ele denunciava sua
exaltação; eles sorriam; ela, com o coração (dis)parado. Eles cantaram; gritaram;
(so)riram; trocaram carinhos, palavras carinhosas; apertos; disparates! Beberam; comeram;
contaram piadas; falaram da vida e se declararam pois, não haveria amanhã.
Lamentavam,
enfim, o fim do mundo. Até então não o tinham feito pois, era costume dos
habitantes daquelas bandas tentarem se controlar em demasia. Agora, não
precisavam mais, estavam juntos em circunstância de total aceitação. As
diferenças pareciam atraentes e as semelhanças eram divididas indiscriminadamente.
Perto da chegada do fim, lamentaram ter se conhecido tão tarde. Consolavam-se
pelo fato de morarem em territórios diferentes então, evitaram o sofrimento da
saudade. Diziam que, se o mundo não fosse acabar, formariam a dupla perfeita.
Ele era dominador, ela odiava ter que tomar decisões (sobretudo de última
hora); ele liderava um grupo para cuidar dos guerreiros que iriam lutar contra
o fim do mundo e ela estudava a força coletiva; ele relevava suas fraquezas
pois, as via sob uma perspectiva cultural; ela o admirava ainda mais, por sua
inteligência vir combinada a uma dose de esperteza; ele era a força e ela era o
recanto. Tudo seria perfeito, se o mundo não estivesse a um segundo de "esvair-se pelo espaço". Ela agradecia a Deus e ao universo por ter tido a
oportunidade de ter encontrado o que, há anos, imaginava o que era o "amar".
[1]
Era
chegada a hora: ele foi trabalhar para o povo. Laji
estava amedrontada pelas dores que poderia sentir, estava assustada com as
suposições sobre as circunstâncias em que uma pessoa pode morrer, num caso
desses. Além do mais, agora sentia o desejo de que o mundo continuasse a
existir. A vontade de reencontrar aquele homem era ainda maior ao medo de partir ou ao apreço pela
sociedade plutônica. De tanta aflição, adormeceu.
Mais
tarde acordara com a notícia: o mundo não acabou. E, embora, sentisse que tinha
aprendido a viver, somente às vésperas do suposto fim, encontrava-se em choque:
não pelo possível caos, mas pelo fim do mundo que tinha construído na noite
anterior. Laji não sabe explicar de onde saíra o que lhe parece um feitiço: se do
cheiro; dos olhos apertados, cuja cor oscilava do verde ao cinza; ou da sensação de proteção que vinha do abraço em que
caberia envolver todo um contexto. Sim, ele tinha ido embora.
Posso
imaginar algumas de vocês decepcionadas; outras, com expressão de que ainda
estão esperando pela novidade do enredo. Eu mesma lhe disse: "sabia"!
É certo, garotas, que isso sempre acontece!
De
fato, a vida em outro planeta é muito estranha. Onde estão com a cabeça aquelas
mulheres? Logo diante do fim do mundo, ela tinha caído no conto do vigário[2].
A jovem, horas depois, encontrava-se curvada, em oração. E, num momento de extremo e doloroso egocentrismo, pedia várias coisas ao mesmo tempo, para não perder a "viagem". Ora, pedia para que o mundo acabasse de uma vez e lhe levasse a dor; ora para que a vida fosse eterna ao lado de seu amor.
A jovem, horas depois, encontrava-se curvada, em oração. E, num momento de extremo e doloroso egocentrismo, pedia várias coisas ao mesmo tempo, para não perder a "viagem". Ora, pedia para que o mundo acabasse de uma vez e lhe levasse a dor; ora para que a vida fosse eterna ao lado de seu amor.
"Ei!
Acabou! Ainda esperando a novidade"?
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